domingo, 17 de abril de 2011

O som da liberdade

Ela ainda assistia os últimos pedaços se tornarem cinzas com um sorriso no rosto e um regozijo incontrolável. Era uma sensação indescritível de liberdade, de vingança. Ela não queria que aquilo terminasse. De uma forma ou de outra, dar fim àquelas fotografias acalmava seu coração calejado. Ela podia respirar sem doer, sem parecer que havia um buraco no meio do peito. Ágata sabia que aquilo era placebo, sua dor continuaria ali por um bom tempo. Suas lembranças jamais a deixariam em paz. Mesmo sua paz de espírito se fora. O que fazer quando te tiram o chão?
Enquanto as últimas chamas se apagavam, Ágata apanhou um café bem forte e totalmente sem açúcar. “Amargo como meu coração”, pensou. Era difícil aceitar a ideia de que fora traída por alguém em quem confiava tanto. A imagem daqueles dois juntos era inimaginável. Algum pedaço parecia faltar. Algum não, muitos pedaços. Lidar com a situação estava se fazendo extremamente complicado. Ágata estava tentando seguir com sua vida, com seus objetivos, com seus sonhos, mas certas imagens e ideias não lhe abandonavam. Quando parava em seu quarto e começa a divagar, um jogo de palavras e imagens tomava sua mente, questionando-a, perturbando-a, rindo de sua cara e chamando-a de perdedora. Afinal, ela havia sido passada para trás. Seu orgulho fora pisoteado, sua autoestima estava no chão. Recomeçar era parte de sua rotina, mas as forças estavam lhe faltando.
Resolveu sair daquela imobilidade na qual se encontrava e juntou os restos fotográficos numa sacola plástica. Havia muita fumaça e Ágata estava ficando enjoada. Jogou tudo no lixo, fechou a porta e foi deitar-se. Dormir havia se tornado um sacrifício naqueles tempos, já que era o momento do dia que as lembranças se apossavam de sua mente de forma incontrolável e dolorida. As lágrimas eram inevitáveis. Era odiável sentir-se tão humana. Toda essa vulnerabilidade lhe deixava revoltada. Resolveu colocar sua banda favorita para tocar.
Ágata começou a sentir ojeriza de sua cama. Ficar de um lado para o outro todas as noites era cansativo. Dormir uma noite inteira seria pedir demais?  A noite escura e fria lhe deixava mais atormentada ainda. O vento uivava lá fora, enquanto sombras desenhavam o chão do quarto. O vazio foi tomando seu interior de forma absurda e não era mais possível respirar. A dor era deveras grande. Finalmente um choro profundo rompeu em seu peito. Um choro desconsolado. O mundo não tinha acabado, mas o seu mundo sim. A música agora soava baixa e depressiva.
Tornou-se impossível ficar naquele lugar. Ágata largou tudo do jeito que estava e resolveu sair. Pegou as chaves do carro e correu para a garagem, as lágrimas caindo feito cachoeiras por seus olhos, agora mais azuis do que nunca. Pisou fundo no acelerador e partiu sem rumo. Ela mal enxergava o caminho, só tinha a certeza de que devia deixar tudo para trás. Quando se deu conta, estava numa estrada escura que era conhecida. Por muitas vezes, Ágata havia feito aquele caminho para chegar ao seu paraíso particular, um penhasco no final da estrada. A vista era linda e costumava lhe acalmar a alma. Um arrepio subiu pela espinha, talvez pelo vento frio que entrava pelas janelas. O aperto no coração não lhe deixara jamais.
Percebeu que o penhasco se encontrava a frente. Parou o carro, desceu e começou a caminhar para mais perto da ponta, como sempre fazia. O vento se fazia cada vez mais forte e cortante. Ágata não conseguia sentir mais nada, a não ser o fascínio de se aproximar cada vez mais da beira e aquela dor incessante. Quando finalmente chegou bem próximo ao fim do precipício, parou para escutar o zunido que o vento forte fazia ao passar por suas argolas de prata. Aquele som anestesiou-a, parecia a mais divina melodia que já ouvira na vida. Em júbilo, caminhou mais um pouco, até a ponta de seus pés não estarem mais em contato com o solo. Só havia o som em sua cabeça no momento. Fechou os olhos e continuou a caminhar. Nada mais importava, ela estava feliz. Havia finalmente encontrado a famigerada felicidade. Ágata estava livre. Da agonia, da dor, dos sentimentos humanos. Livre para sempre.

Por Vivian Leal

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